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"Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa a unidade ou identidade."

Stuart Hall

Olhando de uma forma mais abrangente, os dados sobre a cultura musical Agudá sugerem que se tratam de saberes e técnicas oriundas de musicalidades africanas refeitas aqui, depois introduzidas e modificadas lá, por descendentes de africanos nascidos no Brasil. Tais musicalidades teriam exercido importante papel nas formas de sociabilidade e expressão da identidade brasileira dos Agudá. Mas quais seriam os conteúdos e significados dessa brasilidade-musicalidade Agudá?

Buscaremos saber se representam continuidades remotas de cultura musical brasileira na África ocidental ou se são reinvenções recentes sobre resíduos mais antigos. Perguntamos de onde, por que, como e quando teriam partido as levas de portadores de tais musicalidades e que repertórios levaram? Que correspondências tais musicalidades poderiam ter atualmente no Brasil? No Brasil, somente a partir dos anos finais da década de1980, os historiadores atentaram para a música como temática imprescindível para vislumbrar a formação da cultura nacional. O foco recaiu principalmente sobre a música presente no rádio, no espetáculo, na fonogravação, ou seja, musicalidades predominantemente observadas na paisagem urbana, mormente nas formas divididas entre populares e eruditas. Nos mais variados contextos e tempos, as musicalidades urbanas foram abordadas em diferentes perspectivas, entre outros, por Arnaldo Daraya Contier (1993), José Geraldo Vinci de Moraes (2000), Marta Abreu (2000), Marcos Napolitano (2007), Antonio Carlos dos Santos (2009) e Denise Barata (2012). Incorporando tais ganhos e outros obtidos em áreas como Etnomusicologia, Semiologia, Musicologia Histórica e Sociologia da Música, por exemplo, parece pertinente visualizar musicalidades negras em outras geografias, paisagens e tempos.

Fica evidente que não se pode, desde o primeiro momento, desconsiderar a possibilidade de interferências e influências musicais dos veículos de comunicação, ao longo das décadas recentes, sobretudo o rádio, o disco, o cinema e finalmente a televisão. Estes meios podem ter sido canais de novas “brasilidades musicais”. Assim como considerar as possibilidades de entrada e saída de influências recíprocas e diretas entre os brasileiros do Benin e o Brasil, já que os materiais de fé vindos do golfo da Guiné não pararam nunca de entrar. Aos poucos vamos descobrindo que no século XX, alguns Sacerdotes lá e cá têm levado a cabo tanto a difusão de fé africana e afro-brasileira, assim como construções de legitimidade e ampliação de mercado entre fieis.

Perguntas se erguem sobre as certezas fáceis de similitudes brasileiras na cultura dos Agudá. Conquanto tivesse informações intermitentes sobre as comunidades Brasileiras do Benim, Nigéria, Togo e Gana, questionava-me sobre as possíveis relações imediatas daquelas sonoridades com o que conhecia em termos de culturas musicais negras do Brasil. Como e quando, como e quem teria socialmente elaborado, consolidado e difundido aqueles repertórios musicais “brasileiros”, apresentados no documentário? Quais os conteúdos e qual real papel dessas musicalidades nas sociabilidades e identidades dos Agudá?

Tais musicalidades podem se apresentar singularmente em diferentes contextos culturais, investidas de objetivos e motivações variadas, em diferentes momentos da vida do grupo social e conectadas as atividades religiosas ou e festivas, cívicas e de lazer, educativas e o lúdicas.

Interessa-me o saber-fazer musical em sociedade, os repertórios construídos e transmitidos de oitiva (ouvido), quiçá alcançar os índices mais refinados dos comportamentos musicais no devir dos grupos humanos, ou seja, localizar a historicidades dos papeis atribuídos aos sons, como forma de ampliação das capacidades, sensibilidades e complexidades humanas. Não deixando escapar as tecnologias e suportes que permitem a construção e materialização daquela coisa intangível, que chamamos simplesmente música, negrito o termo musicalidade, abarcando aspectos simbólicos das sonoridades, enfim, as formas de organização intencional, racionalizada e ao mesmo tempo subjetiva, de ondas eletroacústicas, os sons.

Há de se atentar paras as especificidades internas das culturas musicais dos Agudás, já que é um grupo social, lingüística e religiosamente plural. Esta pesquisa poderá se somar aos estudos que tem tentado aproximar as musicalidades afro-brasileiras e suas matrizes africanas, tratando-se este de um dos raros fluxos de via de mão dupla sobre o Atlântico.

O termo diáspora reversa, utilizado aqui é como uma plataforma de observação oceânica, lançada a partir de um Brasil “bem brasileiro” atual, desse tempo que estende o binóculo para tentar flagrar figuras fugidias e sonoridades pouco audíveis desde finais do século XIX e no transcurso do XX.

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