Brasil - Bênin
A Burrinha Africana
Conheci , há alguns anos, num bar senegalês um africano bisneto de baiano, chamado ANGEL SACRAMENTO [grifo do texto], que me contou muita coisa interessante sobre costumes e hábitos nossos ainda imperantes nas chaadas comunidades brasileiras do Togo e do Daomé.
Falou-me ele, como muito entusiasmo, por exemplo, dos folguedos de caráter folclórico, realizados pelo Natal, referindo-se à <BURRINHA>, que nada mais é do que o <BUMBA MEU BOI>, em toda a sua riqueza temática e lúdica.
O que me disse, nas conversas que mantivemos ao longo de vários encontros em Dakar, não somente dava a medida verdadeira da influencia exercida pelos ex-escravos e filhos de escravos que emigraram para o Togo e Daomé, como também vinha confirmar pesquisas feitas por inúmeros estudiosos da extensão da presença brasileira em África.
Salientou ANGEL SACRAMENTO que todos os afro-brasileitos da região são católicos, apontando como raras as famílias das comunidades em questão que não possuem em seu oratório, a imagem de Nossa Senhora da Conceição ou do Senhor do Bonfim. Sobre as festas de fim de ano, lembrou uma que, como disse, denomina-denomina-se <BURRINHA>. Revelou, a propósito, que descendentes mais antigos dos primeiros brasileiros chegados à Àfrica, organizavam anualmente, grupos que saiam fantasiados pela cidade, em procissão, dançando e cantando temas folclóricos, com muita comida, doces e bebidas.
Não pode ele, porem, repetir-me o texto exato do folguedo da <BURRINHA>, mas orientou-me como encontrá-la. O tempo passou, voltei da África. Recentemente, mexendo em velhos papeis colhidos dos arquivos de notáveis falimias do Togo e do Daomé, encontrei alguma coisa que me provocou grande emoção. Era o texto, numa publicação do IFAN, feita por volta de 1953, do folguedo da <BURRINHA>, versão do <BUMBA MEU BOI>. Sem ourtos comentários, eu aqui a transcrevo, obedecendo a grafia:
DANTAS, Raymundo Souza. A “Burrinha” Africana. p. 259-61
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Papa eu Quiero casar
Mama eu quiero casar
Minha mãe eu quiero casar
Hoje Hoje Hoje
Na festa do Bomfim
Hoje Hoje Hoje
Aora Deus vou me casar (bis)
2. É a Festa do Bomfin
O Ieié prima Chiquinha
Vamos sambar
Na terra d’Areia.
3. Amanha e dia santo
Dia copus de Deo
Quem tem roupa va a Missa
Quem não tem faz como eu.
4. Minina cadê a saia
Que tua mame te deu
Como não Le da camisa
Pegou na saia vendeu
Criola esta direita
Minha Sinha.
5. Tindola tindola
Tindolala tindolala
Calorinha Zarolha
Tua saia de chitão
Arrasta o pé no chão
Como o amor da Calourinda
Maltrata meu coração
Calorinda Zarolha.
6. Papai cadê minha mar
Tua mãe foi na feira
Foi na feira comprar quiabo
Pra cozinhar para menino
Para comer comida
Junto mia filhinha
7. Maria cadê Teresa
Maria foi comprar comida
Joana cadê Maria
Maria foi ralar pimenta
Para cozinhar caruru
Para comer com menino
Por Deus Iajuda
8. Acenda luz Maria
Eu quero aluiar
Agua de beber
Goma de gpmar
Acenda luz Maria
9. Calorinda calorinda você vai
E eu também vou lavar roupa
Lavar roupa eu vou ser seu corador
10. Samba eu quero samba
Cajueiro Cajua
Samba eu quero samba
Eu vou ver minha sinhá
11. Suba Mangueira
Ora suba Mangueira
Não Jogue manga no chão
La darriba responde
Não tem mais manga
Não tem
Suba mangueira
12. Quem é quem é quiem
Um negro africano
Tua camisa branca
Teu chapéu republicano.
13. Minha mãe eu quero casar
Minha filha diga com quem
É com homem Sapateiro
Minha filha não casa bem
14. Carro não puxa sem boi
Eu não canto sem beber
Quem tem só a boca fala
Quem tem so olho vem ver
15. As crioulas da Bahia
Todas andan de cordão
Ai violão violão violão
Ai violão violão violão
16. Minha mãe que me pariu
Me bota tua benção
Que eu vou na terra dos negros
Vou morrer sem confissão
17. Corre meu cavalo
Naraiz alegria
Vai dizer a meu Brasil
Que não se esqueça de mim
A Burrinha brasileira
Definição
Folgueto popular. Na Bahia descreve-o Manuel Querino: “A burrinha é um individuo mascarado, tendo um balaio na cintura, bem acondicionado, de modo a simular um homem cavalgando uma animaria, cuja cabeça de folha de flandres produzia o efeito desejado. A música se compunha de viola, canzá e pandeiro. O divertimento semelhava-se aos dos ternos: a diferença, apenas, estava na presença da burrinha dançando, e nas chulas. Assim, depois de tirado o Reis estavam cantando:
DANTAS, Raymundo Souza. A “Burrinha” Africana. p. 259-61
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. P. 140-141.
“Minha burrinha bebe vinho
Bebe também aguardente:
Arrengo deste bicho
Que tem vício feito gente
Xô-xô, bichinho
Xô-xô, ladrão,
Cadeado do meu peito.
Chave do meu coração.
Bota a burrinha para dentro,
Pro sereno não molhar,
O selim é de veludo.
A colcha de tafetá.
Xô-xô, bichinho, etc.”
(Costumes Africanos no Brasil, 254-255).
O rancho da burrinha, que tirava os Reis no dia 6 de janeiro, ocorria noutros lugares do Brasil e convergiu para o bumba meu boi, onde aparece, dançando ao som das cantigas:
“Minha burrinha come milho
Come palha de arroz.
Arrenego desta burra
Que não pode com nós dois!
Olêlê, olêlê!
Olêlê, como há de ser!”